De onde vêm? Para onde vão? - eBird Brazil (2025)

Você já se perguntou para onde nossas espécies de aves migratórias vão a cada estação? Essa foi a pergunta que motivou a Dra. Karlla Barbosa a investigar os movimentos migratórios de uma espécie muito carismática.

Tudo começou quando Karlla foi para os Estado Unidos em 2014 para um estágio com o centro de ornitologia da USGS (United States Geological Survey) que regula o anilhamento de aves silvestres para pesquisa, equivalente ao CEMAVE (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres) no Brasil. Ali, Karlla começou a se interessar pelas inúmeras possibilidades de pesquisa relacionadas à aves anilhadas.

Karlla se encantou pelo assunto e pelos estudos que cada vez mais cresciam sobre pesquisa de aves migratórias na América do Sul, mas que ainda eram muito limitadas. Foi em uma conversa com o pesquisador Carlos Gussoni que Karlla encontrou a espécie perfeita para o estudo que gostaria de fazer: o bem-te-vi-rajado (Myiodynastes maculatus). Segundo ela, “foi amor à primeira vista”.

“O que fez com que essa espécie fosse a escolhida foi uma junção de fatores”, explica Karlla. Em primeiro lugar, é uma espécie responsiva ao playback e isso a ajudaria a capturá-la com redes de neblina. Em segundo, é uma ave abundante e embora comum, até então sua migração era pouco estudada. E por último, Karlla enfatiza que gostaria de trabalhar em centros urbanos, já que grande parte de suas pesquisas anteriores haviam sido em florestas isoladas onde a logística muitas vezes é desafiadora. E foi uma escolha perfeita! Graças ao habitat urbano do bem-te-vi-rajado, Karlla pode integrar seu trabalho científico às práticas de ciência cidadã.

Através de uma pesquisa extensa de observações de aves enviados ao WikiAves e eBird, Karlla percebeu que ainda que os dados de ciência cidadã são poderosos, no Brasil ainda há uma grande concentração desses dados que vêm do sudeste e sul, enquanto que centro-oeste, nordeste e norte contribuem pouco para o banco de dados total do país. Karlla utilizou observações feitas no estado de São Paulo para determinar as áreas que utilizam durante seu período reprodutivo no sudeste. Os dados mostraram que o bem-te-vi-rajado utiliza áreas que sejam maiores que 10 ha, o que mostra o poder da ciência cidadã para ajudar a entender quais são os requerimentos de tamanho mínimo de áreas verdes em cidades. Além disso, mostraram que a espécie chega ao sudeste no início de agosto e fica ali até abril-maio, conforme indicado pela literatura científica. Ainda assim, havia perguntas da migração dessa espécie que não puderam ser respondidas apenas com os dados de WikiAves e eBird. Para isso, Karlla e sua equipe tiveram de ir a campo e montar um grande projeto.

De onde vêm? Para onde vão? - eBird Brazil (1)

Mapa da distribuição dos observadores de aves brasileiros de acordo com dados do eBird e WikiAves (vermelhos e rosa representam áreas de maior número)

Durante 6 anos (2016 a 2021) entre os meses de agosto a janeiro, os pesquisadores coletaram bem-te-vis-rajados com redes de neblina em 6 diferentes áreas rurais e 10 diferentes áreas urbanas em diversas cidades do estado de São Paulo e em Itajubá, Minas Gerais. Quando coletados, os indivíduos eram anilhados com diferentes cores para identificação em campo e alguns foram selecionados para carregar uma minúscula “mochila GPS” que seria chave para entender de onde essas aves vêm e para onde vão. Parece mágico, não? Poder acompanhar os movimentos de uma pequena ave como essa. A verdade é que trabalhar com tecnologias de GPS em aves pequenas, não é fácil. Karlla explica que para que as aves possam viver sem dificuldades com o GPS, o peso desses dispositivos não pode passar de 3-5% do peso corporal do indivíduo. O bem-te-vi-rajado, por exemplo, pesa em média 43 g, o que significa que o dispositivo GPS não podia passar de 2.15g – menos que uma moeda de um centavo!

Dispositivos tão pequenos como esse não conseguem se manter sozinhos como os GPS que são colocados em grandes aves, como águias, que contém uma pequena placa solar e podem se manter e gerar os dados em tempo real aos pesquisadores. No caso dos dispositivos que Karlla instalou, para poder obter os dados, o indivíduo tem de ser recapturado e o pesquisador pode extrair o GPS e ler seus dados no computador. No geral, a taxa de recoleta entre a maioria das pesquisas com aves para dispositivos pequenos é de 30%, o que pode ser um problema.

Os pesquisadores do time de Karlla conseguiram anilhar um total de 61 indivíduos e desse 12 receberam GPS. Apenas 3 deles (25% do total) foram re-coletados e os dados de migração puderam ser analisados. Ainda que pareça pouco, forneceram informações valiosas! Com os dados, puderam acessar a rota de migração dessa espécie, que passa o período não-reprodutivo na Amazônia e migra para áreas de Mata Atlântica no sudeste para se reproduzir. A duração dessa migração que cruza o Brasil inteiro variou entre 40 dias e um mínimo de 15 dias entre esses três indivíduos. Os pesquisadores também descobriram que a taxa de retorno de indivíduos em áreas verdes urbanas foi um pouco menor que a taxa de indivíduos retornando a áreas rurais, 48% e 69% respectivamente.

De onde vêm? Para onde vão? - eBird Brazil (2)

Migração do bem-te-vi-rajado. Linhas no mapa mostram a rota dos 3 indivíduos recapturados com GPS, e as cores no mapa representam suas respectivas áreas de reprodução (Breeding site, esquerda) e de não-reprodução (Non-breeding site, direita).

Ainda que não seja possível saber exatamente porque a taxa de retorno de indivíduos a áreas urbanas é menor que àquela de indivíduos retornando a áreas rurais, algumas hipóteses podem ser feitas. Por exemplo, áreas urbanas podem ser ruins (falta de alimento, efeito de barulho antropológico, falta de habitat, etc) e fazer com que os indivíduos mudem a outra área, ou pode ser que esses indivíduos que migram à grandes centros urbanos encontram mais barreiras no caminho (efeito de luzes, janelas e prédios de vidro, paisagens alteradas, etc) e morram em taxas mais altas que indivíduos migrando a áreas rurais. Karlla explica que a migração do bem-te-vi-rajado cobre tanto áreas de mata como áreas de cerrado. Infelizmente, o cerrado está muito modificado e eles perceberam que a taxa de captura foi notavelmente menor em anos de maior seca. Como a espécie depende de insetos e frutos, grandes secas podem afetar muito sua população. Além disso, mudanças climáticas podem ter um efeito em atraso ou adiantamento de estações, fazendo com que aves migrem antes ou depois do esperado em épocas normais.

Mas ainda há esperança para os migratórios e para toda a nossa biodiversidade como um todo! Após as descobertas de Karlla e seu grupo, setores políticos ambientais da cidade de São Paulo passaram a utilizar seus dados para promover melhorias ao planejamento público como políticas para a redução de ruído urbano e a definição de um tamanho mínimo para áreas verdes. Karlla afirma: “a ciência cidadã leva a ciência, e a ciência pode ajudar a melhorar políticas públicas”.

Referências:
Camargo Barbosa, K. V., Develey, P. F., Ribeiro, M. C., & Jahn, A. E. (2021). The contribution of citizen science to research on migratory and urban birds in Brazil. Ornithology Research, 29(1), 1–11. https://doi.org/10.1007/s43388-020-00031-0
Camargo Barbosa, K. V., Vieira, V., Ribeiro, M. C., & Jahn, A. E. (2023). Site fidelity and migration patterns of the Southern Streaked Flycatcher breeding in urban and rural areas of Brazil. Frontiers in Bird Science, 2. https://doi.org/10.3389/fbirs.2023.1214432

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